Conversa sobre jornalismo literário em um dia chuvoso de outono
Era um dia típico de outono: estação que une todas as outras em si. Com
mínimas que podem ser de inverno e máximas que recordam o verão. E nesse
intervalo, ainda pode ser regado com pancadas de chuva.
A indecisão do clima, entretanto, não fazia parte daquela reunião. O projeto
em pauta era a criação de um veículo alternativo com o objetivo de contrapor
o jornalismo predominante. Para tal, era necessário reavivar os textos
com conteúdo tratados com profundidade.
Não por acaso, o líder da ocasião era Sérgio de Souza, conhecido como
Serjão. Ele, 31 anos antes daquele momento, era integrante da equipe que
fundou e lançou a revista Realidade. Apesar do curto período de circulação,
de 1966 até 1976 (ainda com prévias de censura estabelecidas pelo Regime
Militar), essa publicação foi responsável por implantar o jornalismo literário
na imprensa brasileira. O estilo é caracterizado por intensa pesquisa de
campo e investigação para produzir reportagens estruturadas nas narrativas
literárias, além da liberdade autoral na elaboração do texto.
Com esses preceitos, o grupo heterogêneo de amigos da comunicação (jornalistas,
publicitários e outros profissionais do ramo) lançou a primeira publicação
da revista Caros Amigos em abril de 1997. Dentre o expediente, além de
Serjão, havia nomes como: Roberto Freire, José Carlos Marão, Adriana Cury,
José Trajano, Alberto Dines, Frederico Vasconcellos, João de Barros, Colibri,
João Noro, Sergio Pinto de Almeida, Jorge Brolio, Oscar Colucci e Juca
Kfouri – que ilustrou a capa da edição pioneira.
Duas décadas seguinte, o outono segue sendo um enigma climático.
E no mesmo mês de abril, Aray Nabuco reuniu-se, homogeneamente, com jornalistas.
Nabuco é jornalista e editor-chefe da revista Caros Amigos e abriu as portas
da redação para sediar a conversa.
Certamente, se passar pela Rua Diana, na Vila Pompéia, não irá notar que
ali é produzido o periódico. Entre árvores, o local não se apresenta com
letreiros e é muito parecido com uma casa. Passando por um cômodo que funciona
a recepção da revista, há uma escada no formato caracol.
No corrimão, duas bandeiras sobrepostas chamam a atenção: uma verde do
Brasil em contraste a outra vermelha do MST. Os degraus levam ao andar
superior, onde a redação fervilha a base de ligações telefônicas e conversas
paralelas entre os colegas.
Os seis jornalistas à frente de seus computadores revisam texto, confrontam
fontes e fecham pautas. À direita, capas, fotos e charges (impressas de
algumas edições) criam um mosaico na tela branca da parede.
Para captar um áudio sem ruído, a conversa foi deslocada para uma sala
no mesmo piso. Porta fechada para abafar o som. Microfone de lapela devidamente
colocado. Aray, então, relembra seu primeiro contato com o jornalismo literário:
- Eu sou da geração que pegou a redemocratização do Brasil. E muita coisa
que não vinha para o Brasil começou a vir, como revistas e portais. E mesmo
no curso de jornalismo, ao contar a sua história, você chega em Realidade,
Pasquim. O contato principal foi esse, sem contar os livros, como Truman
Capote.
Para o editor-chefe, a Caros Amigos incorporou “o gosto pela reportagem,
pelo jornalismo mais bem feito possível” da revista Realidade.
Enquanto aguarda a pergunta, Aray mantém os braços sobre a mesa com os
dedos entrelaçados. Assim que respira para dar início a resposta, suas
mãos se mexem como se tivessem voz própria.
Considera o jornalismo literário um “estilo que exige um olhar que vá
além do
hardnews”, mas que também deve responder, ao longo do texto, as perguntas
de um lead tradicional: quem, como, onde, quando e por quê.
Calibrar sensibilidade, afiar o olhar curioso, enxergar além do fato
e leitura constante são alguns dos sintomas que ele indica para quem deseja
ter um envolvimento literário jornalístico.
A redação em polvorosa necessita do sintomático editor-chefe para concluírem
pautas, e a conversa tem, então, seu
deadline. Agradecimentos pela disposição e atenção findam a reunião.
- Até a próxima!
Fora dali, os guarda-chuvas precisam ser colocados acima da cabeça. Afinal,
estamos no intervalo. E o dia típico de outono está sendo regado pelas
pancadas de chuva.