Análise de três das principais obras do new journalism
Holcomb era uma tranquila cidadezinha localizada no interior do Kansas,
nos Estados Unidos. Pacata e quase desconhecida, foi “inserida no mapa”
no dia 15 de novembro de 1959. O jornal The New York Times trazia o motivo
numa pequena nota: o assassinato brutal de uma família sem motivos aparentes.
Folheando aquela edição, Truman Capote deu, ali, início ao seu maior sucesso:
“A Sangue Frio”.
O livro narra o cotidiano dos Clutter – típica família americana dos anos
50 – e em como esse patriarca e fazendeiro Herbert, a esposa Bonnie, e
os filhos mais novos Nancy e Kenyon foram mortos. Além disso, traz a trajetória
de vida e traça o perfil psicológico dos assassinos Perry Smith e Richard
Hickock.
A história é contada pelas personagens das vítimas, dos criminosos e dos
investigadores do crime. Truman intercala muito bem essas “vozes” e permite
ao leitor reproduzir uma espécie de linha do tempo, entre dias antes da
execução da família até o momento final da sentença. Um período que durou
cerca de seis anos.
O texto é carregado de descrições que auxiliam a imaginação humana e inserem
o leitor no local descrito. Os diálogos feitos somente entre a família
causam uma certa confusão. Como Truman pode descrevê-los se todos são vítimas
fatais? Sabe-se que essa produção teve anos de entrevistas, consultas em
diários, cartas e documentos, e uma constante observação do autor.
Quando Capote foi para Holcomb, os criminosos ainda não haviam sido localizados
e capturados. Acompanhou todo o processo de perto enquanto interrogava
os moradores locais, familiares e os policiais à frente do caso. Mais tarde,
teria acesso aos dois responsáveis pelo crime em visitas na prisão.
O autor narra em 3ª pessoa e, nos poucos momentos em que precisa se descrever
na cena, utiliza “jornalista” ou “repórter” para isso. O livro prende o
leitor. Ora pelo suspense acerca do motivo do crime, ora pelos detalhes
minuciosos dos acontecimentos principais, destacando-se, obviamente, o
relato cena a cena do assassinato da família Clutter, dentro da própria
casa. Amarrados, amordaçados e mortos a tiros.
Os advogados de defesa conseguiriam adiar por anos a sentença de Smith
e Dick. Mas, em 14 de abril de 1965, ocorreu a execução de ambos, mortos
por enforcamento – que Truman presenciou.
Esse fim já é conhecido pelos leitores antes mesmo de abrir o livro. Em “A Sangue Frio”, Capote nos traz o início e meio desse crime e revela o motivo por trás do assassinato. A obra é um clássico que contribuiu para instaurar um novo gênero literário – o romance de não-ficção – e que fez parte da corrente do new journalism, na década de 60, nos Estados Unidos.
Como agir quando o desejo de seguir os negócios da família, mesmo que
eles sejam parte de um ato ilícito, parecem mais fortes do que a escolha
de levar uma vida comum? Gay Talese entra na vida de Bill Bonanno, filho
de Joseph Bonanno – imigrante italiano da Sicília e chefe de uma das cinco
famílias da máfia de New York –, e mostra em capítulos a resposta para
esse questionamento.
Mais do que apenas uma relação entre escritor/jornalista e fonte/personagem
de um livro, Talese imerge na vida de Bill e cria um vínculo de amizade
que o permite descrever momentos em sua vida com total detalhamento. Fruto
de um trabalho de muita observação em todos os ambientes pelos quais conviveram
juntos, além das histórias do passado relatadas durante o período. Características
que convidam o leitor a viver com a imaginação aqueles cenários e seus
diálogos contados com exatidão.
Na obra, o filho de “Joe Bananas” – como era conhecido Joseph – é retratado
não somente como um herdeiro de uma organização mafiosa, na qual chefia
durante o desaparecimento de seu pai, mas também de uma forma tão essencial
e pouco comum nesses casos: como um ser humano.
Assim, vive uma jornada de altos e baixos; momentos de espera e de agitação;
responsabilidades e compromisso em honrar seu sobrenome e abrir mão de
uma vida distante dos ônus que a máfia traz para o cotidiano de seus integrantes.
Tudo isso mostrado de uma forma que não traz a essa prática uma imagem
negativa. Ao contrário, o protagonismo assumido por Bill o faz mocinho
em ver como se importava com o pai, com a família e suas glórias, e como
se sente humilhado após a decadência das organizações mafiosas.
Até que, depois de guerrear contra os outros clãs rivais – que excluíram
os “Bonanno” da máfia – o desfecho se dá com o julgamento do personagem.
Não pelo seus crimes e ilegalidades. Mas por um motivo muito menor e distinto
ao que representava naquele contexto.
No auge do "Radical Chique", ou seja, o período em que pessoas da alta
sociedade nova-iorquina davam festas para angariar fundos para movimentos
sociais das pequenas classes, Leonard Bernstein* seguiu o conselho de sua
mulher, Felicia, e resolveu dar uma festa em seu duplex, na Park Avenue,
para receber a elite de Nova York e porta-vozes do Partido dos Panteras
Negras.
*sei que talvez tenha lido
Bernstin, então quero que ouça, em sua cabeça, o grito do próprio
Leonard dizendo que, na verdade, é STAIN.
Na noite de véspera da festa, o maestro sonhou que, em uma de suas apresentações,
a plateia – a qual sempre o adorara – começava a não gostar de sua apresentação,
e junto com isso surgia um homem negro atrás de um piano dizendo “A Plateia
está curiosa e constrangida”. Em outros momentos da mesma noite, o homem
voltava a dizer algo sobre o público não estar gostando de sua apresentação,
pensando que ele deveria se retirar. E como no sonho, na festa ele viu
sua reputação despencar por conta de um homem negro que surgia por trás
do piano.
Esse homem é Don Cox, marechal-de-campo dos Panteras Negras, que acaba
se tornando o principal responsável pela derrocada da festa, posteriormente
chamada de reunião. Em seu discurso inicial, quando tudo ainda ia bem,
Cox fala do Panteras 21, um grupo de 21 membros do partido que foram presos
sob a acusação de conspirar para explodir lojas de departamentos e jardins
botânicos em Nova York. Para serem soltos, deveriam pagar uma fiança de
cem mil dólares, o que Cox define como resgate e não fiança. E é justamente
para esse propósito que eles querem angariar fundos na “festa” de Leonard
e Felicia Bernstein.
Após as doações feitas pela
high society de Nova York é que começa o declínio da festa. Um
verdadeiro debate entre o senhor Bernstein, Don Cox e outro convidado da
festa, Otto Preminger. Cox defende todos os itens do Programa dos Dez Pontos
feito pelos Panteras Negras. Preminger rebate – e sempre o interrompe –
ao dizer que ele não pode estar falando sério. Bernstein responde, ironicamente,
dizendo entender o marechal-de-campo dos Panteras, que por sua vez tenta
prosseguir com seu discurso e é novamente interrompido por Preminger. Este
é sucedido por Bernstein, e assim segue até que outro personagem, descrito
apenas como “homenzinho cinzento”, interrompe – para alívio-não-reconhecido
de Bernstein – e passa a palavra à Felicia Bernstein.
A agora chamada reunião segue dessa forma, com os membros dos Panteras
Negras defendendo sua filosofia e os
high society os rebatendo, principalmente com o argumento que,
para os negros conseguirem sua libertação, eles não precisam matar as outras
classes. Após a fatídica reunião, os jornais – especialmente o New York
Times – relatam o que aconteceu no evento, e todos os seus leitores, contrários
à luta armada dos Panteras, começam a criticá-lo por apoiar tal movimento.
Após a fatídica reunião, os jornais – especialmente o New York Times –
relatam o que aconteceu no evento, e todos os seus leitores, contrários
à luta armada dos Panteras, começam a criticá-lo por apoiar tal movimento.
O estilo de escrita de Tom Wolfe em “Radical Chique” é bastante complexo.
Em alguns momentos, ele salta do evento no apartamento dos Bernstein para
outros eventos do tipo, oferecidos por pessoas diferentes, e divaga nesses
comentários por várias páginas. Depois retorna ao assunto em que havia
parado e narra novamente a reunião dos Panteras Negras.
Além da construção cena a cena utilizada em trechos como esse, Wolfe utiliza
outros recursos do new journalism, como diálogos entre os personagens,
principalmente nos debates entre Bernstein, Cox e Preminger, e símbolos
de status de vida, como a descrição do tipo de roupa utilizada por homens
e mulheres da sociedade nova-iorquina, em contraste com as utilizadas pelos
membros dos Panteras Negras.